03/10/2008

Partida


A fina ponta dos dedos dela faziam uma pressão monstruosa nas costas daquele homem.Ela sabia que, dentro de poucas horas, partiria. O adeus era inevitável, como também, era inevitável a sua paixão por aquele ser... Talvez, por isso,sua frágil mão havia encontrado tanta força naquele momento: porque sustentava a ilusão de que, prendendo fortemente aquele dorso, traria, pra dentro de si, a infinita posse do que não possuiria mais.


01/10/2008

Liquor


Espectral
Recuso ser matéria.
Uso rachaduras como vias.
Invado espaços: entro por frestas.
Me desejo invisível.
Sou toca de texugo.

Espírito
Recuso ser corpo.
Tropeço esquinas.
Encaixo em dobras, desníveis.
Circulo em curvas de sombras.
Me desejo oculta.
Sou labirinto de castelo.

Rarefeita
Recuso ser existência.
Marco passos no escuro.
Só saio noturna: soturna.
Me desejo breu.
Sou baú do porão.

Microfísica
Recuso ser imagem.
Rastejo por ralos, canos, conduítes.
Habito ecos-ocos espaços.
Me desejo micro-micróbio.
Sou naftalina no guarda-roupa.

Dissolvida
Recuso ser estrutura.
Sub-vivo no detrás, no dentro, no profundo.
Estou no contra-reflexo.
Me desejo vulto.
Sou segundo do susto.

Estátua
Recuso ser ação.
Imóvel em imóvel abandonado.
Cheiro poeira.
Sempre em (en) canto desabitado.
Me desejo sombra e perfil.
Sou bicho traça preso ao teto.

Aquosa
Recuso ser telúrica.
Me visto caramujo.
Pesa meu dorso-abrigo.
Me desejo concha.
Sou minúsculo molusco.

Planctônica
Recuso ser espécie.
Partícula refletora.
Fragmento na imensidão do sagrado salgado.
Me desejo plâncton.
Sou maré-movimento.

Flutuo-inércia.
Levo-me.
Lavo-me.

Engole-me uma gigantesca Jamanta.

No corpo do imenso...
Eu findo infinita.