13/12/2009

Os teus pés

Pablo Neruda

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouo levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.






Amanda colheu uma flor baudelariana



Boudelaire
"A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o... substantivo, em sua majestade substancial, o adjectivo, roupa transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase." 

Eu: 

Eis que surge o sonho do "escrevinhador", oásis para quem vinha, há tanto circulo de ponteiro,em dor; tico de alívio no eterno tic tac do delírio de riscar mundos indizíveis.




11/12/2009

O ENTERRADO VIVO



É sempre no passado aquele orgasmo,
É sempre no presente aquele duplo,
É sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra,
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre no meu lábio a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim o inimigo
E sempre no meu sempre a mesma ausência.


Carlos Drummond de Andrade

08/12/2009

Os ombros suportam o mundo - Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho..., a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios


provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade






www.astormentas.com


06/12/2009

Bertold Brecht

Desconfiai do mais trivial, na aparência singela
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

Bertold Brecht - Biografia, Poemas e Fotografias

www.astormentas.com

O caso da rua Roosevelt - "olhos nos olhos quero ver o que você faz"...

OUTRO DIA COMENTEI COM UMA FIGURA:classe média tem olhar de médio alcance...
Referia-me à esse olhar que lançamos às classes miseráveis, excluídas, ao refugo social...
Não olhamos como olham os burgueses: com a falsa compaixão da doação natalina e o asco separatista do discurso "isso é isso", que usam nos outros 364 dias do ano.
A classe média, quase em sua maioria metida à,ou,com a intelectualidade, está com o olhar perdido quando enfrenta o Refugo.
O comprometimento com a transformação das desigualdades nos falseia uma aproximação, uma compreensão das causas socias como justificativa da violência (já pré definindo que a violência está aí, neste grupo) e escrevemos textos, fazemos análises... Os mais ousados sobem o morro para o desenvolvimento do projeto social.
A classe média sabe atuar como companheiro desenvolvedor dos pobres, pretos e favelados...Mas não sabe falar preto, poucos os que emitem negro...E muito menos sabemos lidar com os nossos"defendidos" quando a pimenta está em nossa boca, quando a água bate em nossa bunda.quando a violência é contra nós...aí nós e eles somos iato.
A classe média é o silêncio ético da pobreza e insiste em vangloriar-se de seu olhar de médio alcance!

Em terra de cego quem tem um olho é rei...
Triste.

www.criatoriodecriaturas.blogspot.com


03/12/2009


"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles."
Lênin